Especialistas em diversas áreas concordam: o álcool impõe um custo exorbitante ao Brasil. Esse custo se manifesta em vidas perdidas, famílias desestruturadas e bilhões drenados anualmente da economia nacional.
Contudo, essa despesa colossal muitas vezes permanece invisível. Ela está diluída no cotidiano, oculta para aqueles que não conseguem enxergar além da superfície dos números.
O debate sobre o preço do álcool, frequentemente escondido em jargões técnicos e cálculos fiscais, tem um impacto direto e implacável. Ele afeta profundamente o destino de milhares de brasileiros.
Dose de Realidade: Pequenas Mudanças, Grandes Impactos na Saúde Pública
A campanha "Dose de Realidade" entra em sua terceira fase, trazendo uma conclusão clara. Estudos técnicos e a opinião de especialistas convergem: pequenas variações no preço das bebidas alcoólicas podem gerar grandes diferenças na saúde pública do Brasil.
Dados recentes, compilados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e analisados em conjunto com a Vital Strategies e ACT Promoção da Saúde, revelam um cenário promissor.
Um aumento médio de apenas R$ 1,00 no preço de uma lata de cerveja, por exemplo, reduziria o consumo desse produto em 18%. Estendendo medidas similares a todas as bebidas, o consumo total de álcool no país cairia 20%.
O impacto previsto é impressionante: mais de 10 mil vidas seriam poupadas por ano. Isso equivale a uma vida salva a cada hora no Brasil.
Economicamente, essa redução evitaria perdas anuais de cerca de R$ 2,1 bilhões em produtividade. Tais perdas são causadas por mortes prematuras, representando quase 58% do orçamento do programa Farmácia Popular em 2024.
A Visão dos Especialistas: Tributação Adequada como Ferramenta Essencial
Pedro de Paula, diretor executivo da Vital Strategies no Brasil, enfatiza a importância da tributação. "A tributação adequada das bebidas alcoólicas é uma medida custo-efetiva recomendada pela OMS para reduzir o consumo e prevenir milhares de mortes", afirma.
Para ele, o momento é crucial. Com a reforma tributária em fase de definição de alíquotas, o Brasil tem uma oportunidade histórica. É a chance de alinhar a política fiscal com a saúde pública.
Os números não são meras abstrações. Eles descrevem consequências tangíveis: menos internações, menos acidentes, menor violência e menos famílias desfeitas. Além disso, haveria uma redução significativa da pressão sobre o sistema público de saúde.
A professora Zila Sanchez, chefe do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp, reforça a ideia. "Esse aumento de preço, ele vai reduzir o dano que o álcool causa à sociedade", ressalta.
Desmistificando a Tributação: Evidências Internacionais e Proteção Social
Um argumento comum contra o aumento de impostos é que "mais imposto não resolve". Contudo, especialistas contestam veementemente essa afirmação.
A evidência internacional, citada por Zila Sanchez e por organizações globais, é clara. Medidas que elevam o preço do álcool são extremamente eficazes.
Seja por meio de impostos, proibição de promoções ou adoção de preço mínimo por unidade (MUP), essas estratégias estão entre as mais custo-efetivas para reduzir o consumo e os danos associados.
"Não é uma punição ao consumidor", sublinha Zila Sanchez. "É uma intervenção populacional que protege terceiros, evita hospitalizações e reduz mortes".
Pedro de Paula complementa, explicando que políticas bem elaboradas podem corrigir distorções fiscais. Produtos com altos custos sociais pagariam mais, enquanto itens essenciais seriam preservados.
Quem Ganha com a Redução do Consumo de Álcool?
O consumo de álcool aumenta o risco de mais de 200 doenças, incluindo diversos tipos de câncer. É um fator de risco globalmente reconhecido.
As mortes prematuras, ou seja, de pessoas com menos de 70 anos, causadas pelo álcool, removem milhares de indivíduos da força de trabalho. Isso gera bilhões em custos indiretos para a economia do país.
"O imposto seletivo busca corrigir distorções", frisa Pedro de Paula. Ele permite que um produto que gera enormes custos sociais e econômicos, e para nossos sistemas de saúde, pague mais impostos. Isso abre espaço para isentar produtos mais saudáveis, como os da cesta básica.
Os especialistas afirmam que a tributação não é meramente uma forma de arrecadar. É uma poderosa ferramenta de saúde pública, visando a redução do consumo e, consequentemente, a salvaguarda de vidas.
A medida também oferece proteção a grupos mais vulneráveis, como os adolescentes, que são particularmente sensíveis aos preços. Dados do Ministério da Saúde mostram um início precoce do consumo: 60% dos meninos e 67% das meninas já experimentaram álcool antes dos 17 anos.
É imperativo que as políticas públicas restrinjam o acesso de bebidas alcoólicas a essa população. O objetivo é desincentivar a experimentação precoce e proteger o futuro desses jovens.
Um Problema de Todos: O Impacto Social Abrangente do Álcool
Estimativas amplamente aceitas por pesquisadores e confirmadas por estudos recentes da Fiocruz são alarmantes. Mais de 100 mil pessoas morreram no Brasil em 2019 por causas diretamente associadas ao álcool.
Isso representa uma média de 12 mortes por hora. Tudo isso em um país onde as bebidas alcoólicas permanecem entre os produtos mais baratos e acessíveis do mercado.
Zila Sanchez resume o dilema com clareza: o álcool não é um problema apenas do consumidor. É um problema de quem convive, de quem divide as ruas, os hospitais, as filas de emergência.
É um problema dos recursos públicos escoados no tratamento de doenças e traumas que poderiam ser evitados. "Não é uma escolha individual quando seus efeitos recaem sobre toda a sociedade", conclui.
Professora Zila Sanchez, Chefe do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo
Imposto seletivo: R$ 1 a mais por lata de cerveja pode reduzir consumo e salvar vidas. Alíquotas serão discutidas no Congresso Nacional.

